segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Testamento.


Uma das coisas que mais gosto de fazer além de ler e ouvir música...é escrever. Nas letras, tenho o conforto de poder exteriorizar o que na maioria das vezes não há para quem falar. Talvez eu devesse contar minhas vidas. Quando digo no plural, quero dizer que sou muitas dentro de mim, que acho que as vidas são várias mesmo. Poderia escrever sobre as várias vezes que a vida tentou me passar a perna e eu insistentemente continuo a driblá-la permanecendo não sei até quando por aqui. Poderia citar a perda de minha mãe, as idas e vindas pra lá e pra cá quando pequena, as confusões causadas pelo meu único irmão que agora infelizmente já não está mais aqui comigo. Poderia citar a avenida Djalma Dutra onde cresci brincando com pessoas que até hoje tenho contato e amizade. Uma infância sofrida mas ao mesmo tempo em algumas ocasiões, gostosa e pura, sem maldades ou precocidades como o que eu vejo hoje. Poderia citar também as longas horas em que ficava sentada no chão ao pé da minha avó Hortênsia, fazendo crochet, ou costurando algum vestido com as mãos morenas e extremamente bonitas, unhas sempre feitas, cabelos cheirosos, arrumados, e um capricho que lhe era peculiar. Não posso esquecer de citar as idas ao sítio de meu pai. Sinto uma saudade imensa não só do sítio como dele também. Correr livre pela grama, subir nas árvores e passar horas no meu pé de caju, falando com meus amigos imaginários, sendo dona da situação, sem medos de uma possível repreenda. Andar de trator com meu pai, buscar as turmas quando ainda o alvorecer não havia se manifestado, fazer festas juninas de três dias, com seresteiros e amigos. Nem tudo são flores e tenho também os espinhos cravados em mim... Épocas difíceis de alcoolismo de meu pai, causando sofrimento e pânico aos que estavam ao seu redor. Por diversas vezes dormir na rua, correr de madrugada para se esconder, esperar amanhecer para saber se sua ira já havia aplacado e poder voltar para casa onde morava. Poderia citar aqui o nascimento de meu filho, que foi uma das melhores coisas da minha vida. Eu amei muito esse nene desde o primeiro instante que soube e esperei os nove meses com um amor imenso guardado para ele. Que me desculpem os homens, mas mãe é mãe e não há o que eu coloque aqui em palavras que possa descrever o sentimento que se vive ao gerar um filho. Poderia citar as fases difíceis de se comviver a dois, mas prefiro falar de outra data única e especial demais pra mim: o nascimento da minha princesa, Carol. Ao olhar para ela, aquela menina linda e rosada, a vontade de proteger, abraçar, ficar olhando é enorme e para mim, eles continuam como os vi a primeira vez. Poderia citar pessoas que vão e vem na vida da gente e que por algum significado, entranham, permanecem,outras apenas passam por nós.

Fases. Situações. Perdas e ganhos. Mudanças externas e dolorosas mudanças internas. Amadurecimento. Endurecimento. Alegrias diferentes. Pequenas coisas significam muito mais.

Poderia deixar a quem pudesse interessar minhas vidas e quem sabe nela, pudessem encontrar algo grande, uma carta contando de um amor, como no filme " As pontes de Madison".

Talvez devesse escrever algo assim e deixar em algum lugar onde depois de anos da minha passagem, alguém com sensibilidade suficiente para não julgar e nem enaltecer, pudesse encontrar e ler, procurando apenas entender, aliás, me entender o que por si só já seria difícil eu sei, mas que conseguisse entender o que senti em todas as vidas descritas nesta carta. Talvez eu deva reativar meu diário para que nada escape à memória que pretendo deixar.

Mãos à obra!



Vylna Cassoni

07/09/09




"" Por que me vejo novamente compelido a escrever ? Não é preciso, querida, fazer pergunta tão evidente, porque,na verdade, nada tenho para te dizer: Entretanto tuas mãos queridas recebem este papel".. ( Goethe )

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