quarta-feira, 13 de maio de 2009

Telas


Ilustração de Igor MachadoFez quinze anos e tomou uma decisão: viveria um grande amor!Um par de sapatos de saltos altos, um batom cor de café com leite e um sutiã com enchimento de borracha eram as primeiras armas naquele arsenal de objetos letais. E um plano. Traçado nas tardes de um distante verão, nas páginas de um caderno espiral e resumido à listagem dos grandes amores que lhe visitavam os sonhos: Romeu e Julieta, Peri e Ceci, Rainier de Mônaco e Grace Kelly. E dispensou amores que não chegavam aos balcões e às varandas, às folhas de palmeiras, ao glamour de Hollywood, ao azul do Mediterrâneo.

Quando fez vinte anos decidiu que era o tempo do grande amor. Óculos de tartaruga, roupas pretas e nenhum sutiã eram as definitivas armas naquele laboratório de experimentações. E as fotos pregadas no painel de cortiça, montado no frio que ameaçava as manhãs de primavera. Sartre e Beauvoir, Goddard e Anna Karina. E dispensou amores que chegavam ao som da marcha nupcial e cheirando a flor de laranjeira.

Fez trinta anos, decidindo que era o tempo do definitivo amor. Um par de diplomas, roupas de grife e perfumes franceses tornaram-se as armas que empunhava dia a dia, durante todos os dias daquele outono, enquanto o vento frio do entardecer espalhava as folhas onde escrevia nomes: Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa, Carmem e Don Jose... E renegou amores dissonantes, de colorido cotidiano.

Quarenta anos e o tempo de qualquer amor. Um par de olhos cansados, roupas largas e o cheiro do tempo perfumando as madrugadas de insônia e devaneio. E as lembranças coladas à pele como se fora uma segunda pele no inverno que a noite anunciava.

Ontem, fez cinqüenta anos.(Ro Druhens)

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